
Comunidade quilombola resiste à remoção de território tradicional reivindicado pela multinacional Suzano. Bloqueio na rodovia compromete acesso à vila de Itaúnas.
A manhã desta segunda-feira (15) começou com manifestação de quilombolas que interditaram a rodovia ES 010, principal acesso à Vila de Itaúnas, no município de Conceição da Barra, Norte do Espírito Santo. O protesto ocorre em reação a uma decisão judicial que determinou a reintegração de posse de uma área de 30 hectares onde vive a comunidade tradicional do Quilombo de Itaúnas.
Segundo os manifestantes, a medida beneficiaria a multinacional Suzano, produtora de celulose, que obteve na Justiça o reconhecimento de propriedade da área. A comunidade denuncia que a decisão ameaça expulsar cerca de 130 famílias, com impactos sociais, culturais e ambientais profundos.
“Querem nos tirar de um território que é nosso há séculos. Nossa identidade, nossa história e nosso modo de vida estão enraizados aqui”, afirmou o agricultor Bruno Camilo, morador local e um dos participantes do protesto.
Simultaneamente ao bloqueio da rodovia, um grupo de representantes quilombolas ocupou a Assembleia Legislativa, em Vitória, em ato coordenado para chamar atenção das autoridades estaduais e pressionar por uma solução que respeite os direitos das comunidades.
CONAQ denuncia crime social e cultural
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) divulgou nota pública condenando a reintegração de posse. A entidade afirma que o local abriga uma comunidade com mais de 300 anos de ancestralidade e que a remoção forçada das famílias representa um crime social e cultural.
“A ação é uma violência contra um povo que resiste há séculos. Expulsar essas famílias é negar o direito à memória, à cultura e à terra conquistada com luta e pertencimento”, diz o texto da CONAQ.
A organização reforça que há um processo histórico de invisibilização das comunidades quilombolas e que as decisões judiciais precisam considerar a complexidade das questões fundiárias envolvendo populações tradicionais.
Suzano: “Decisão judicial reconhece direitos da empresa”
Procurada por A Gazeta, a Suzano confirmou que a reintegração está programada para ocorrer nesta terça-feira (16), respaldada por decisões judiciais em processo iniciado em 2015. Em nota, a empresa afirmou que há pareceres do Incra e da Fundação Cultural Palmares indicando que não há reconhecimento formal da área como território quilombola.
A empresa também informou que apresentou um plano humanizado de reintegração, aprovado pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, com foco em garantir segurança e dignidade às famílias afetadas.
“A Suzano mantém diálogo contínuo com associações comunitárias e reconhece a importância dessas relações nas regiões onde atua”, diz a nota.
Disputa fundiária escancara conflito histórico
O conflito entre a comunidade e a Suzano escancara um problema histórico no Brasil: a morosidade e fragilidade nos processos de reconhecimento e titulação de terras quilombolas, mesmo diante de manifestações culturais, sociais e espirituais evidentes.
Enquanto o governo federal, via Incra e Fundação Palmares, não reconhece oficialmente o território, a comunidade sustenta sua existência ancestral por meio da oralidade, da permanência física e das práticas culturais mantidas ao longo de gerações.
Impacto regional e repercussão
O bloqueio da ES 010 gerou congestionamento e atrasos para moradores, turistas e comerciantes que dependem da via para acessar a Vila de Itaúnas, destino turístico conhecido por suas dunas e festas culturais.
Parlamentares e representantes de movimentos sociais já se manifestaram em apoio à comunidade, cobrando do Governo do Estado e do Judiciário uma mediação urgente do conflito, antes que a reintegração programada gere um cenário de confronto e crise humanitária.
📌 Próximos passos
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A reintegração de posse está marcada para esta terça-feira (16).
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Quilombolas prometem manter a mobilização até que haja suspensão da decisão ou reconhecimento do território.
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A situação deve ser discutida em audiência pública na Assembleia Legislativa ainda esta semana.
🔎 Entenda o caso:
Item | Detalhes |
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Local do conflito | Área de 30 hectares em Itaúnas (Conceição da Barra) |
Comunidade envolvida | Quilombo de Itaúnas (130 famílias) |
Empresa acionante | Suzano S/A (produtora de celulose) |
Decisão judicial | Reintegração de posse favorável à empresa, processo iniciado em 2015 |
Posição da CONAQ | Denuncia crime cultural e exige suspensão da ordem |
Reconhecimento oficial | Incra e Fundação Palmares não reconheceram formalmente a área como quilombo |
Ato de resistência | Bloqueio da ES 010 e ocupação da Assembleia Legislativa em Vitória |
FONTE: A GAZETA